«A diabetes ajudou-me a dar o devido valor à vida»
Inês Abrantes descobriu que tinha diabetes tipo 1 aos 20 anos. O diagnóstico apanhou a personal trainer e professora de kickboxing de surpresa, mas, gradualmente, foi conhecendo a doença, redescobriu o seu corpo e estabeleceu uma nova missão: lutar sem tréguas pela sua saúde.

«Desde criança que faço desporto. Até aos 15 anos, fui atleta de competição de natação e depois experimentei as artes marciais e apaixonei-me pelo kickboxing. Sentia-me saudável e ativa. Fazia análises e exames regularmente e tinha cuidado com a saúde, era disciplinada com a alimentação e evitava excessos, principalmente doces. Mas, aos 20 anos, durante as férias de verão da faculdade, comecei a sentir-me estranha. Emagrecia, apesar de ter muita fome, e sentia a visão turva. Tinha muita sede, chegava a beber quatro litros de água por dia. Na altura, fui a uma consulta de rotina e fiz análises. Quando recebi os resultados, deparei-me com o inesperado: tinha diabetes tipo 1. Fui internada nesse dia. Não sabia o que fazer, mas estava certa que a minha vida tinha mudado.»
Conhecer a doença
«Fiquei no hospital durante um fim de semana e, gradualmente, com a ajuda das enfermeiras, fui começando a entender a doença. Estava assustada, mas a forma como a retrataram tranquilizou-me. Mais tarde, fui encaminhada para uma consulta de endocrinologia na qual aprendi que, se fosse muito disciplinada, podia fazer uma vida normal. Teria assim de fazer tarefas como saber o nível de glicémia no sangue, aplicar insulina ou contar os hidratos de carbono, várias vezes por dia. Passei essas informações aos meus pais, que estavam tão ou mais apreensivos do que eu. Era um momento difícil para todos, mas só havia uma coisa a fazer: lutar pela minha saúde.»

Espírito autodidata
«Depois de sair do hospital, estive fechada em casa durante uma semana a ler sobre a diabetes. Queria conhecer melhor a doença, os estudos científicos que tinham já sido feitos, o que diziam os especialistas. Mas aquilo que mais me ajudou foram os testemunhos de pessoas que já viviam com a doença. Essa solidariedade, e a experiência que essas pessoas transmitiam ajudam a ultrapassar momentos difíceis, como as primeiras vezes em que, sem ajudas de ninguém, somos confrontados com os cuidados que temos de ter face à doença. Não foi fácil habituar-me às novas rotinas, principalmente as aplicações de insulina. Não queria que ninguém visse. Precisava de ganhar confiança, aceitar a doença e interiorizar processos.»
Porquê eu?
«Quando voltei à faculdade, depois das férias, estava mais tranquila. Nunca tive medo de estigmas ou das reações das pessoas. Se sempre me aceitaram como sou, não seria a doença que iria impedir que o fizessem. Mas, ao contar o que tinha, revivi a angústia do passado e senti na pele o peso e a injustiça da doença. Fiquei triste e revoltada. Eu, que era uma pessoa disciplinada, que não cometia excessos, saudável, uma desportista, estava doente. Dei por mim a questionar tudo. Foi complicado, mas, mais tarde, percebi que fazia parte do processo de aceitação da doença, do meu crescimento.»
Novas rotinas
«Ter diabetes fez-me alterar rotinas. Passei a ter ainda mais cuidado com a alimentação e a reeducar hábitos de sono. Tenho de controlar os níveis de glicemia logo ao acordar e sei que o que como é decisivo para a quantidade de insulina a aplicar – tem a ver com os hidratos de carbono que se ingerem. Faço bastantes refeições por dia, normalmente de 2 em 2 horas, devido à minha profissão e, em média, aplico 12 doses de insulina por dia. Geralmente, faço-o na barriga mas também se pode aplicar nas pernas, glúteos ou parte de trás dos braços. Deve-se ir variando, espaçar de 2 em 2 centímetros no mínimo, caso contrário aparecem pequenos nódulos devido à acumulação de insulina. E se picar novamente nessa zona é doloroso.»
Avanços da ciência
«Como doença crónica, a diabetes obriga-nos ao ritual da aplicação de insulina, mas o sensor que tenho no braço ajuda: basta passar um leitor para ver o valor das glicemias, evitando assim muitas picadas nos dedos. O «sonho» de qualquer diabético é ter uma bomba infusora de insulina, uma espécie de pâncreas artificial, contudo este método ainda não está devidamente implementado em Portugal e a lista de espera é enorme. Além disso, não é comparticipado e significa um investimento de 5 mil euros pelo aparelho e mais cerca de 300 euros mensais para consumíveis. Felizmente, para crianças até aos 10 anos, a bomba é gratuita. Estou a pensar engravidar e, nesses casos, a lei dá prioridade na aquisição do aparelho.»
Ajuda de quatro patas
«Além da tecnologia que ajuda a controlar todo o processo, em breve vou ter um aliado especial. Chama-se Hypo e é uma cadelinha de assistência que está a ser treinada pela Associação Pata d’Açúcar para detetar hipoglicemia. Isso é extremamente útil, pois, quando entramos em hipoglicemia (estado em que os níveis de glicemia – açúcar no sangue – descem abaixo dos 70 mg/dl]), libertamos uma substância que se chama isopreno e apenas os cães conseguem senti-la. Assim, a Hypo vai conseguir identificar antecipadamente essa alteração de valores, que pode levar a um desmaio, e avisa ladrando, batendo com a pata ou mesmo saltando para cima de mim. Em SOS, está também ensinada para trazer uma bolsa com açúcar e outros utensílios que sobem a glicemia no sangue.»
Crescer com a doença
«Saber que tinha diabetes obrigou-me a crescer, tornou-me mais adulta e, devido às contingências de estar doente, a ficar mais «sábia» em relação à minha saúde e ao meu corpo. Sinto as complicações de ter uma doença crónica, luto para as minimizar e, nessa procura, conheci pessoas fantásticas. Isso ajudou-me a, de facto, dar o devido valor às pessoas e à vida. Essa é a grande lição que aprendi. Por vezes, e infelizmente, só um problema realmente sério é que nos abre os olhos, revela essa importância e recoloca-nos no mundo. Aprendemos que desistir não é uma opção e só se vence se lutarmos, pois a diabetes é um «trabalho» a tempo inteiro. Só sabemos o quão forte somos até termos mesmo de o ser, até não haver outra opção. E a única que me resta é lutar e viver a vida.»
Revista Prevenir