As complicações da diabetes
Ao longo do tempo, o nível alto de glicose no sangue que caracteriza a diabetes tem consequências problemáticas em vários órgãos do corpo. Neste artigo, explicamos algumas das principais complicações da doença.
A diabetes está associada a vários outros problemas de saúde que se podem desenvolver com os anos. De acordo com a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), cerca de 40% das pessoas com diabetes vêm a ter complicações tardias da sua doença. No entanto, é preciso ter atenção que mesmo que uma complicação da diabetes se manifeste mais tarde, o seu desenvolvimento começa bem mais cedo, fase em que é crucial agir e prevenir.
As complicações ligadas à diabetes vão desde infeções, ao pé diabético, passando pela retinopatia diabética, a disfunção sexual, o acidente vascular cerebral (AVC), entre outras. Algumas destas complicações serão abordadas neste artigo. Manter o nível de glicose do sangue controlado, evitar a hipertensão arterial e ter um estilo de vida saudável podem evitar ou adiar as complicações da diabetes.
Insuficiência cardíaca
Na insuficiência cardíaca, o coração não bombeia o sangue normalmente, o que faz com que o organismo não receba todos os nutrientes e oxigénio de que precisa. Tal como a diabetes, esta é uma condição crónica que implica cuidados de saúde ao longo da vida.
A relação entre a diabetes e a insuficiência cardíaca está hoje bem estabelecida: sabe-se que ter diabetes aumenta o risco de vir a ter insuficiência cardíaca; por outro lado, quem tem insuficiência cardíaca tem também um risco superior de vir a desenvolver diabetes. O impacto não é o mesmo em ambos os sexos. De acordo com o Framingham Heart Study, a diabetes aumenta o risco de os homens terem insuficiência cardíaca em 2 vezes, enquanto nas mulheres o risco é 5 vezes maior – uma discrepância que ainda não é totalmente compreendida.
Além disso, os diabéticos com insuficiência cardíaca têm um pior prognóstico em caso de complicações cardíacas ou hospitalização. Apesar de tudo, quando consideradas individualmente, a gestão a longo prazo da diabetes alcança um maior sucesso do que a gestão da insuficiência cardíaca, o que faz com que esta última seja uma prioridade.
Hipertensão arterial
A hipertensão arterial aumenta o risco de doenças cardiovasculares e está associada à diabetes. A tensão arterial mede a força com que o sangue pulsa e atinge os vasos sanguíneos do corpo. Uma tensão arterial saudável é de 120/80 mmHg (o primeiro valor indica a tensão sistólica, ou seja, a pressão com que o sangue sai do coração quando este; o segundo valor é a tensão diastólica, ou seja, a pressão com que os vasos relaxam entre batimentos cardíacos). Uma tensão arterial entre 140/90 mmHg e 120/80 mmHg é considerada uma pré-hipertensão. Acima de 140/90 mmHg entra-se em hipertensão arterial.
Enquanto 1 em cada 3 pessoas nos Estados Unidos tem hipertensão arterial, 2 em cada 3 diabéticos têm doença, avança a American Diabetes Association (ADA). No momento do diagnóstico da diabetes tipo 2, 40% das pessoas já têm hipertensão arterial. Esta ligação deve-se provavelmente a causas genéticas, mas também a questões comportamentais. A diabetes tipo 2, que surge normalmente mais tarde na vida das pessoas, pode estar associada a problemas como a obesidade, que também tem influência na tensão arterial.
A forte diminuição no consumo de sal, uma alimentação saudável, fazer exercício físico e deixar de fumar são medidas eficazes para diminuir a hipertensão arterial. No entanto, não deixe de seguir as indicações do seu médico.
Acidente Vascular Cerebral (AVC)
O risco de uma pessoa com diabetes sofrer um AVC é 1,5 vezes superior ao do resto da população. Ao longo do tempo, a hiperglicemia pode danificar ou causar coágulos nos vasos sanguíneos do cérebro. Se, por acaso, isto faz com que o sangue deixe de chegar a uma região daquele órgão, então produz-se um AVC.
Os AVCs são mais comuns a partir dos 55 anos. Sintomas como fraqueza ou dormência num dos lados do corpo, sentir-se confuso subitamente, ter dificuldade em compreender o que se passa ou em falar são alguns dos sintomas associados ao AVC. Neste caso, é urgente chamar o 112 e ser acompanhado por uma equipa médica. Quanto mais rápido for diagnosticado um AVC, mais eficazmente pode ser tratado.
A melhor forma de reduzir o risco de AVCs é controlar a glicose no sangue, o colesterol e a hipertensão arterial, bem como fazer uma alimentação cuidada e exercício, parando imediatamente de fumar se for esse o caso.
Neuropatia diabética
A neuropatia diabética é o nome dado aos danos que os nervos sofrem devido à diabetes. Este problema desenvolve-se devido aos níveis elevados de glicose no sangue, quando a doença não está controlada, e aos níveis elevados de triglicéridos. A neuropatia chama-se autonómica quando são afetados os nervos autónomos que controlam a bexiga, o intestino, os genitais e outros órgãos, ou chama-se periférica, que é a mais comum, quando afeta os nervos dos braços, das mãos, das pernas e dos pés. Se certos nervos específicos são danificados, podem desenvolver-se doenças associadas à diabetes, como o pé diabético ou a disfunção erétil.
Há vários sintomas que estão associados a nervos afetados: ter vómitos ou sentir que a comida não está a ser digerida pode indicar que há problemas nos nervos do sistema digestivo, enquanto que não ter vontade de urinar apesar de se sentir a bexiga cheia é uma indicação que os nervos da bexiga podem estar comprometidos; por outro lado, já a sensação do pé dormente ou não haver dor quando se tem uma ferida no pé pode indicar uma neuropatia periférica.
Se estes e outros sintomas surgem é importante consultar o médico e tratar ou cuidar dos órgãos ou regiões do corpo afetadas pelo problema. Por exemplo, é preciso ter uma especial atenção com o pé para que este não sofra queimaduras ou feridas. Além disso, apesar de não ser possível restaurar as funções dos nervos que foram danificados, um controlo da glicose no sangue e dos triglicéridos ajudam a evitar o avanço da neuropatia.
Retinopatia diabética
O aumento de glicose no sangue, no caso da diabetes não controlada, tem um efeito negativo nos capilares que distribuem o sangue na zona da retina do olho. A glicose acumulada naqueles capilares pode acabar por danificá-los, causando a retinopatia diabética, que é uma das principais causas da perda de visão ao nível mundial.
A retinopatia diabética pode ser não proliferativa ou proliferativa. Quando os capilares vão ficando bloqueados e fazem pequenas bolsas, mas que acaba por não ser tão grave, falamos da retinopatia diabética não proliferativa. Na proliferativa, que afeta menos pessoas, os capilares existentes deixam de funcionar, provocando o desenvolvimento de novos vasos sanguíneos que, como são muito frágeis, acabam por rebentar espalhando fluído e sangue na retina, explica a American Diabetes Association (ADA). Estes rebentamentos podem produzir um tecido de cicatriz que pode levar ao descolamento da retina. Além disso, os fluídos que se libertam dos capilares podem atingir a zona do olho chamada mácula, causando edema macular, que incha, torna a visão turva e pode até cegar.
Muitas vezes, a retinopatia não apresenta sintomas. Por isso, é necessário fazer consultas oftalmológicas regulares para controlar a situação. Sabe-se que passados 20 anos do diagnóstico da diabetes, 90% das pessoas com diabetes tipo 1 e 60% das pessoas com diabetes tipo 2 têm retinopatia. A melhor forma de evitar retinopatia é controlar a diabetes, segundo a ADA.
Nefropatia diabética
A nefropatia diabética é um problema gradual que pode levar à inutilização do rim. Este órgão é responsável pela filtração contínua do sangue de pequenas moléculas que não interessam ao corpo e escapam pela urina. O sistema de filtração mantém no sangue as proteínas como a albumina, que são demasiado grandes para serem filtradas e são importantes para o organismo.
Sabe-se que a hiperglicemia descontrolada acaba por danificar aquele a filtração feita pelos rins. Um dos sinais é que a urina passa a ter a presença da albumina. A evolução deste problema acaba, em última instância, por levar à insuficiência renal: o rim deixa de funcionar. Neste caso, o doente terá de passar a fazer artificialmente a filtração do sangue, através do processo de hemodiálise. Outra alternativa é um transplante de rim.
Tanto para prevenir como para tentar minorar a nefropatia diabética é necessário um controlo apertado do nível de glicose no sangue. Além disso, a hipertensão arterial também tem um efeito negativo nesta doença, aconselhando-se os doentes a manter um peso saudável, a ingestão menos sal, a evitar o álcool e o tabaco e a fazer exercício físico.
Pé diabético
O pé diabético é uma complicação comum nos diabéticos responsável pela maioria das amputações em Portugal, avança a APDP. Tanto a aterosclerose, a acumulação de placas de gordura nas artérias, quanto a neuropatia, a degeneração dos nervos por falta de oxigénio e nutrientes, são dois problemas associados à diabetes que dão origem ao pé diabético.
Esta complicação é caracterizada pela dificuldade da cicatrização das feridas que surgem nos pés. A aterosclerose faz estreitar os vasos sanguíneos e diminuir a chegada de oxigénio aos tecidos do pé, dificultando a cicatrização. As feridas podem e, com o tempo, provocar a necrose dos tecidos, levando à amputação.
Por outro lado, a destruição dos nervos do pé faz com que as pessoas deixem de ter a sensibilidade normal naquela região. Por isso, correm o risco de não sentirem algo que esteja a magoar, a queimar ou a ferir o pé.
A ADA defende que a maioria das amputações poderiam ter sido evitadas com o devido cuidado. A cessação tabágica é importante, uma vez que o tabaco acelera a destruição dos vasos sanguíneos mais pequenos. Além disso, há cuidados que ajudam a evitar o pé diabético:
- Lavar todos os dias os pés com água tépida para evitar queimaduras;
- Usar gel ou sabonete de pH neutro na lavagem;
- Secar bem os pés e entre os dedos;
- Fazer uma observação diária do pé e de eventuais feridas;
- Usar calçado apropriado que não magoe;
- Na presença de uma ferida difícil de cicatrizar é necessário ir imediatamente a uma consulta médica.
Disfunção erétil
A aterosclerose e a neuropatia também são responsáveis pela disfunção erétil que ocorre em homens com diabetes, um problema que durante muito tempo não era abordado. Estudos recentes mostram que a prevalência da disfunção sexual tem uma incidência de 30 a 50% nos homens com diabetes mal controlada, enquanto na população em geral é de 26%.
A disfunção erétil é a incapacidade de o homem manter a ereção ao longo de uma relação sexual. A ereção depende do um fluxo de sangue que entra no tecido do pénis, mas, na presença de aterosclerose o fluxo sanguíneo que chega ao órgão fica comprometido. Por outro lado, a destruição dos nervos também impede que se dê a comunicação correta entre o órgão e o cérebro para o funcionamento sexual.
Medidas preventivas como o controlo dos diabetes e da hipertensão arterial, a cessação tabágica e a redução do consumo de álcool ajudam a diminuir o risco de desenvolver disfunção erétil. A consulta com um médico é o passo mais importante obter o tratamento mais apropriado.
Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP)
National Eye Institute (NIH)
National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases (NIH)
American Diabetes Association (ADA)
American Heart Association (AHA)
Rosano GMC, et al. 2017
Kenny HC, et al. 2019